As três lições de 2024 (e da maternidade)
Alguns anos acabam assim que o calendário vira, outros duram para sempre. É o caso de 1945, 2001 ou 2019. São rasgos no tempo. Marcos na história. Há também os congelamentos anuais pessoais.
Alguns anos acabam assim que o calendário vira, outros duram para sempre. É o caso de 1945, 2001 ou, bem recentemente, 2019. São rasgos no tempo. Marcos na história. Há também os congelamentos anuais pessoais. Eu encapsulei 2017, o ano da minha volta ao mundo e que conheci o meu marido e, inevitavelmente, 2024, o ano em que me tornei mãe. Aliás, percebi que ambos estão tatuados na pele. Para avaliar, cultivo o costume de aproveitar a última sessão de terapia da temporada e analisar os 365 dias que passaram. Por sinal, me surpreendi ao reconhecer que nem todos têm este hábito. Sentam-se à frente do psicólogo lá pelo dia 20 e tantos de dezembro e agem como se fosse outra análise qualquer. Que desapego ritualístico!
Mas, vamos lá: em 2024, eu aprendi a ser mãe. Descobri uma parte da figura materna que sou e serei. Para o meu total espanto, não sou prática. Em um primeiro momento, virei gata. Não deixava ninguém – fora o pai da criança e a minha mãe – chegar perto. Na loucura da depressão pós-parto, olhava pela janela no calor escaldante de fevereiro e concretizava: eu nunca mais vou conseguir sair de casa. E chorava na ambivalência do “como eu queria, mas não consigo”.
Antes do nascimento do Frederico, eu acreditei piamente que, assim que ele completasse 45 dias, voltaria a trabalhar, escrever, dar aulas e colocar a banda para tocar. Só que... não deu. Tentei e recuei. Minha cabeça não funcionava. Fechei a agenda e me acomodei novamente. Os planos de voltar a me exercitar e cuidar da alimentação e do corpo também falharam de cara. Eu não tinha o mínimo interesse... em mim. Até que aceitei que eu estava lutando contra um instinto. Repeti incansáveis vezes para a Beatriz, minha analista: “como vou fazer para voltar à vida de antes?”. Ela batia na tecla: “só existe uma vida, a vida do agora”.
Então, essa foi a primeira lição de 2024 (e da maternidade): só existe uma vida. Nós somos o combinado do antes com o que queremos para o depois agindo no hoje. Viver preso no que se foi é melancólico e trava a caminhada. O quebra-cabeças é resolver o que será feito a partir da condição que se apresenta agora – seja lá por que motivos. Não é sobre apagar o passado, é lidar: e um bom auxílio para isto, sabemos, é a terapia.
A segunda lição – e acredito que a mais valiosa - foi, finalmente, aprender a dizer não. Só eu sei (e os meus familiares) o que me custou o tanto de “sim” que deveria ter sido “não” nestes 37 anos. A quanta falta de vontade eu sucumbi em prol do desejo alheio e à ansiedade por ser aceita, por agradar ou resolver de uma vez sem tanta incomodação (para quem?). A partir da chegada do Frederico, eu entendi que o meu tempo valia mais. Cada “sim” torto poderia significar horas a menos com ele. Na esfera profissional, me direcionei para o que realmente fazia sentido e passei a bater o pé no meu preço (essa parte foi a mais complicada). Deixei um punhado de atividades pelo caminho e não foi fácil mas, pela primeira vez, me pareceu óbvio. No âmbito pessoal, andei de mãos dadas com uma pergunta: “vai ser bom para o Frederico e para a minha família ou só para os outros?”. Se a dúvida surgisse, a resposta negativa já se apresentava. Priorizar, principalmente o bem-estar, virou lei.
E a terceira lição não fui eu quem percebi, foi a Beatriz. Segundo ela, em 2024, eu aprendi a liberar os afetos. Soltei este tanto de bichinho do bem que andava entocado aqui dentro e na agonia para tentar ver a luz do sol acabavam provocando dor de estômago, enxaqueca, ânsia de vômito e reações alérgicas. Em 2024, eu perdi as contas de quantas vezes falei “eu te amo” sem receber nada em troca. Dei tanto beijo que quase provoquei um calo nos lábios. Cansei de fazer cafuné, dar cheiro no cangote e relevar madrugadas insones em troca de sorrisos banguelas e olhinhos inchados. Como consequência, sobrou para tudo que é lado. Me reaproximei da minha mãe e do meu pai, criei uma relação ainda mais sólida com o meu marido e passei a ser mais tolerante e paciente com os que me rodeiam.
Para mim, 2024 foi o ano da transformação. Será eterno. Aproveito para deixar o meu afeto a você que me leu por aqui – e em especial aos que incentivam esta newsletter sem esperar nada mais do que um texto em troca. Vocês fazem a diferença nos meus “nãos” e nesta vida de agora.
Muito obrigada! Que venha 2025.
Adorei e me identifiquei! Uma vez comentei com meu terapeuta que eu “sentia falta de mim”. Ele disse: “falta de ti SOZINHA”. Pois tu e teus filhos são você inteira agora. Só há mesmo o tempo de agora e vamos lidando com esse novo andar. bjs!
Que delícia de texto! Um 2025 cheio de afeto por aí! ✨