Cadê a paz que estava aqui?
Somos serviçais da mente buscando doses homeopáticas de dopamina em conteúdos curtos, frases clichês de fácil entendimento e alegrias instantâneas de altíssimo estímulo e pouca criatividade.
Era tão óbvio: ir a um ashram, retiro espiritual na Índia, em busca de paz e espiritualidade. Dias meditando, praticando as ásanas (posturas) e estudando o lifestyle da yoga. Que ingenuidade. Afinal, é justamente quando tentamos ficar em paz que reconhecemos o quão não em paz estamos. O silêncio é o barulho da mente. Parar pode ser traumático para quem não assiste à própria vida, apenas galopa entre os dias, horas, minutos, segundos. Tudo engolido bem quente, com duas mastigadas e um goção d´água por cima para ajudar a empurrar de uma vez.
Quando precisei desligar o celular, evitar a música alta, as conversas paralelas e estacionar em um mesmíssimo lugar, sem grandes atrativos a não ser uma grande shala para meditação e yoga, não me senti em paz. Tive vontade de fugir, correr para bem longe, andar pela cidade, experimentar um tempero novo, ocupar a mente com qualquer outra história que não fosse a minha. Mas fiquei. E hoje, quando preciso de ar, é para aquele lugar que viajo em pensamento, respirando fundo à procura de um resgate.
“É chato”. Esta foi uma das principais respostas dos entrevistados na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, comandada pelo Instituto Pró-Livro, para justificar o fato de não terem lido nem ao menos uma obra no ano que passou. Mais da metade da população do país não lê. A chatice e a falta de gosto são argumentos. Ok, o ditado defende que gosto não se discute. Mas posso me embretar aqui para perguntar “quem está no controle?”. Como bem cita a psiquiatra Anna Lembke em “Nação Dopamina”, estamos todos viciados em recompensas imediatas e, consequentemente, nos agarramos ao discurso de que “não temos tempo”.
Sem tempo para se concentrar, forçar a imaginação, trabalhar a interpretação, quiçá, fazer uma pausa para recorrer ao dicionário. Sem tempo para colocarmos a mente a nosso serviço. Somos nós os serviçais, buscando doses homeopáticas de dopamina em conteúdos curtos, frases clichês de fácil entendimento e alegrias instantâneas de altíssimo estímulo e pouca criatividade.
Nós perdemos a capacidade de administrar o tédio. De lidar com o vazio. Matamos o foco e a concentração com a busca desenfreada por experiências agressivas. Enquanto isso, abrimos caminho para a lei do menos esforço. Preferimos efeitos colaterais fortíssimos e remédios a exercícios físicos na academia. Optamos por passar horas e horas em frente à tela do computador e evitar a convivência física de uma reunião ou ambiente de trabalho. Não vamos mais ao cinema. Buscamos cursos de internet de curta duração. Viramos um bando de caçadores de emoções fáceis. E enquanto nos enganamos de que estamos em paz, justamente por não pensar sobre o tema, o livro “Geração Ansiosa”, de Jonathan Haidt é considerado o título do ano pelo The New York Times.
Um pensamento que gosto muito reforça: “como você pode desejar a paz para o mundo se não está em paz consigo?”. Então, gostaria de aproveitar a chegada deste rito que é o final de ano para lhe desejar paz para 2025. E, quem sabe, assim, mais leituras.
Amei ❤️
O silêncio é o barulho da mente. Teu texto já começa fazendo todo sentido pra mim aqui. Quando a gente para, fica em silêncio, a avalanche vem.