Eu sou assim mesmo
Tenho dificuldades para digerir a expressão “ah, eu sou assim mesmo” para justificar grosseria, falas sem filtro e comportamentos rudes
Fui uma criança com importantes picos de mau humor. E uma adolescente neste mesmo ritmo. Não, não estou falando daqueles ranços típicos de quando a fome chega avassaladora, ou que surgem por estarmos exaustos ou chateados porque algo não funcionou mudando bruscamente o nosso estado de espírito para aquele excesso de irritação que respinga em todos à volta. Me refiro aqui ao mau humor quase patológico, que se torna uma característica do indivíduo. Minha mãe foi parte crucial para domar este traço complicado. Aos poucos, com muito diálogo, me provou que nem todas as pessoas seriam obrigadas a lidar com aqueles rompantes azedos e que a vida poderia, inclusive, tornar-se solitária. Em resumo: ninguém é obrigado, então, melhore.
Não foi fácil. Tentei de diversas formas identificar o monstrengo quando se aproximava para travar essa luta mental e corporal e administrá-lo. Mas a mudança crucial só veio mesmo por volta dos 18 anos, quando após um dia inteiro de semblante fechado, poucas palavras e clausura proposital no quarto, percebi o dano externo: a perda de alguém com quem eu me importava e que deu um limite à situação, sem brigas, sem estresse, simplesmente, indo embora. O que eu entendi naquele momento é que se queremos ser parte de um grupo, de um par, de um círculo de convivências, a gente precisa ser agradável. Há de ter esforço para entender os códigos de convivência e respeitá-los. É necessário dimensionar o quanto o outro importa e lidar com as nossas mazelas
Por isso, tenho dificuldades para digerir a expressão “ah, eu sou assim mesmo” para justificar grosseria, falas sem filtro e comportamentos rudes. Da mesma maneira que a afirmação “ela é uma pessoa de gênio difícil” para argumentar instabilidade de comportamento me leva a questionar: e, por conta disto, o mundo inteiro tem que se adaptar às dificuldades geniais deste ser complicado? Se não há um diagnóstico psiquiátrico ou neurológico para determinada conduta, trata-se de uma grandissíssima falta de controle aliado à arrogância. No meu primeiro mês de faculdade, lembro de conviver com uma colega que passou a salpicar comentários pejorativos a meu respeito, as tradicionais brincadeiras com fundo de verdade que incomodam um tanto. Certo dia, perguntei o porquê e recebi a seguinte resposta: “falo tudo o que penso, já vai se acostumando”. Sério? Eu deveria me acostumar?
O pensamento é o filtro da fala, não o vômito dela. Deveríamos encarar como um refúgio protetivo este lugar em que, nunca, ninguém terá acesso e por qual somos responsáveis por definir o que fica ou sai (principalmente, na era das mídias sociais). Acredito que personalidade forte tem mais a ver com coragem e posicionamento claro do que com teimosia e rabugice. Então, se você aceita a convivência com pessoas de gênio difícil sem questionar, repense, talvez, você esteja fomentando a falta de empatia. Agora, se você é a pessoa que confunde espontaneidade com “falar tudo o que pensa”, o vazio pode estar logo em frente, ou, como diria a minha mãe: melhore. Faz sentido? Talvez, eu esteja um pouco mal-humorada.
muito bom, bjo
Adorei o texto e o tema! ❤️