Muitas vidas em uma vida
Sabe todas as lembranças que nos colocam a suspirar ou nos dão calafrios junto ao clichê “nossa, parece que foi em outra vida”? Estas são as calculadoras oficiais dos nossos inícios, meios e fins.
É o que os adoradores do presente e fomentadores do agora costumam repetir fervorosos: “a vida é uma só”. Venho pensando sobre isso - e não é de hoje. Não acredito que a vida seja uma só (aliás, temos uma redundância aqui). Antes de prosseguirmos, atesto: este texto não vem como um debate sobre reencarnação, religião ou para sustentar uma linha negacionista questionando qualquer obviedade biológica. Ainda outro dia recebi de uma amiga grávida, com pouco mais de 8 semanas de espera, um vídeo em que se podia ouvir e observar os batimentos cardíacos de um ser com pouco mais de um centímetro e uma frequência que, no fluxo intuitivo, só será interrompida daqui muitas décadas. Impressionantemente lindo pensar que se deu corda em uma presença tal qual uma caixinha de música.
Mas, voltando ao tópico central: a bola que gostaria de levantar aqui é sobre todas as vidas que vivemos dentro das nossas vidas. Dos meus recém-completados 36 anos, consigo contabilizar, por cima, umas seis vezes em que nasci e morri com este mesmo coração batendo ininterruptamente. Teve a vida da infância em Passo Fundo, andando de bicicleta pelas ruas da cidade, passando as tardes no ginásio do colégio, comendo churros na praça e descobrindo as letras e os números. Noutra, eu fui bailarina, vivia de festival em festival, alongando as pernas, aquecendo o corpo e ensaiando dia e noite, sonhando com palcos, saltos e piruetas. Em determinada vida, fui jornalista de redação, oscilei de repórter pé no barro à colunista social, circulei entre políticos, celebridades, cavouquei furos jornalísticos e virei noites e madrugadas em busca das melhores histórias e do horário de fechamento da edição. Teve até uma vida doida em que dei uma volta ao mundo, sozinha, de mochila nas costas.
Sabe todas as lembranças que nos colocam a suspirar ou nos dão calafrios junto ao clichê “nossa, parece que foi em outra vida”? Estas são as calculadoras oficiais dos nossos inícios, meios e fins. Recentemente, assisti à série A Nova Vida de Toby (Fleishman is in Trouble), no Star+, que, baseada no livro de mesmo título, relata a jornada de um homem de 40 e pouco anos, com dois filhos, que se divorcia após 15 anos de relacionamento. Toby precisa mergulhar no vazio, encarar o luto e decidir recomeçar. Para isso, busca dois amigos do passado para tentar resgatar elementos de sua versão pré-casamento. A série vai muito além deste meu breve resumo, conta com as atuações brilhantes de Claire Danes e Jesse Eisenberg e lindíssima trilha sonora, recomendo.
Acompanhar a saga do protagonista me reconectou com a teoria desta grande oportunidade que é, apesar de fisicamente estarmos em uma linha reta e descontinuada, podermos intercalar nossas histórias particulares com “game over” e “start” de tempo em tempo. Sabe qual é a preciosidade disto tudo? Que, nestes casos, as mortes não significam fins. São términos. Às vezes, melancólicos, às vezes, depressivos, quase sempre nostálgicos, e muitas vezes aliviados e felizes pela expectativa do que está por vir. E todas essas pequenas mortes se transvertem em memórias que vão nos fortalecendo em formato de bagagem, conhecimento e experiência para futuras aventuras. A graça de morrer sem morrer é ganhar o superpoder da resiliência. Como diria um velho mestre meu: Game over? Aperta o start.
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Obrigada pela reflexão ✨ tão bom saber que podemos nos reinventar de diversas formas e seguirmos com nossa essência.
Demais! E eu tenho vivido várias vidas diferentes recentemente...