Perto demais?
No longa "Close", o afeto masculino é colocado em pauta. Por que homens não têm permissão para tocar, abraçar e chorar livremente no ombro dos seus amigos sem trazer o tema sexualidade à tona?
Li dia desses e registrei: na vida, só há duas coisas irreversíveis; a morte e o conhecimento. O que se sabe não se pode deixar de saber, não se perde a inocência duas vezes. Eu diria que a morte da inocência é quando o externo interfere no interno a ponto de modificá-lo. Acho curioso, por exemplo, que crianças de 4 anos sintam menos medo do escuro do que outras de 8, 9 e até 10 anos. No conceito óbvio, crianças menores são mais frágeis e inseguras, portanto, seriam mais assustadas, certo? Aí, entra o conhecimento, que passa pelo entendimento da vida. É aquele momento em que o mito da redoma de proteção formada por pai, mãe ou responsáveis cai e que outras verdades começam a aparecer, histórias diferentes passam a se cruzar com as descobertas da infância e a chance de um monstro, fantasma ou extraterrestre pular do armário no meio da noite ganha coerência.
Passei 1h30min com o peito apertado assistindo Close, filme belga dirigido por Lukas Dhont, que lhe rendeu o Grand Prix em Cannes e a indicação ao Oscar por melhor filme estrangeiro em 2022. Nos primeiros 15 minutos, quando meu coração ainda pulsava solto, fui apresentada a Rémi e Leo, dois amigos de 13 anos, viventes de uma parceria baseada em brincadeiras imaginativas, conversas ao pé do ouvido, pedaladas e correrias, envoltos por uma fazenda de flores delicadas e coloridas na região rural da Bélgica. Melhores amigos. Inseparáveis. Quase irmãos. Só quem teve uma amizade desta intensidade na pré-adolescência entende o valor de uma mão ou um olhar sempre ao alcance, garantindo a sustentação.
Só que tal qual braços e pernas que crescem desproporcionais na puberdade, a estrutura é instável. E o ritmo muda com a chegada de ambos ao colegial. É o momento em que tudo aquilo que eles entendem por afeto começa a ser questionado pelos colegas. Por que vocês vivem grudados? Vocês são um casal? Em determinado momento, Leo rebate uma dupla de meninas: “a gente faz as mesmas coisas que vocês, e, por acaso, vocês são namoradas?”. No longa, o afeto masculino é colocado em pauta. Por que homens não têm permissão para tocar, abraçar e chorar livremente no ombro dos seus amigos sem trazer o tema sexualidade à tona? Nesta sequência, o externo interfere no interno. Que é a capacidade de cada um lidar com as adversidades, os julgamentos e as informações que vêm de fora sustentada no que foi construído por dentro.
Close apertou o meu coração e espremeu sentimentos para todos os lados. Observei a pureza no olhar daqueles meninos se transformar em tristeza no decorrer do filme. Não virou raiva, ressentimento ou ódio. Transformou-se em lamúria, incompreensão e buscas atrapalhadíssimas por resolução. Seguidas de culpa. Esse que é um sentimento desperdiçado e tema para outra crônica. Entendi que o exercício é tentar avaliar o quanto o ambiente lá fora intercede no que é genuinamente nosso. Não é deixar de se preocupar com o outro ou criar vínculos, mas entender quais as opiniões realmente importam. Close está no Mubi. Assistam e se engajem na ideia de deixar os meninos amarem da maneira que quiserem e melhor entenderem.
Curiosa para ver o filme, esse tema me lembrou o documentário incrível, que super recomendo. "o silêncio dos homens", está no youtube.
Diante das entrevistas e dados de pesquisas vemos os impactos que uma educação pautada em desigualdade de gênero sobre a identidade dos homens, traz consequências que contribuem para a permanência da cultura de violência que afeta homens e mulheres.
Amo tua escrita, palavras como "vivente", (agora fiquei na dúvida se é vivente de viver ou vivente indivíduo...) remetem ao nosso linguajar gaúcho....ótimo texto como sempre, vou assistir o filme....tu desperta o interesse da gente nas coisas....obrigada por escrever...tão bem...abraço.