Preguiça emocional e geração ansiosa
Vivemos a ilusão de que estamos rodeados de amigos quando, na verdade, há meio ano não dividimos um problema profundo e pessoal com ninguém que não seja o psicólogo, psiquiatra ou um familiar direto.
Não é novidade que tenho uma relação difícil com o meu celular. Sim, o aparelho é quase uma extensão da minha mão. Vive pendurado em mim – ou eu nele? -, no bolso, na bolsa, ao meu lado agora, enquanto escrevo este texto. Aliás, quase parei no meio destas três singelas frases para dar uma verificada no Instagram. Tenho conseguido me policiar depois de terminar de ler A Geração Ansiosa, do psicólogo e pesquisador norte-americano Jonathan Haidt. Entendi, através de dados científicos apresentados na publicação, que o meu cérebro foi treinado para nos momentos de ócio repetir o ato de abrir o celular, procurar o app do Instagram e dar uma scrollada na tela. Sendo assim, em qualquer dificuldade que tenho neste texto, ou em uma pausa qualquer, tendo a querer esticar a mão e agarrar o aparelho para dar uma espairecida. Um gatilho absurdo. Desde então, venho lutando contra este impulso do meu cérebro, tento ser mais rápida que o movimento involuntário. Na verdade, sinto uma inveja profunda de quem pode apagar o aplicativo por um tempo dos seus aparelhos. Por enquanto, o meu trabalho não permite, mas venho caminhando para a libertação há algum tempo.
Depois de terminar a leitura deste baita livro, enviei para quase todos os meus grupos de whatsapp com o alerta em vermelho: leiam, leiam, leiam. A Geração Ansiosa não é exatamente a minha, que sou uma Millenial, trata-se da Geração Z. Agrupa os indivíduos nascidos a partir de 1995, que passaram pelo que é chamado pelo autor de “A Grande Reconfiguração da Infância”, quando as telas, o wi-fi e as redes sociais caíram como uma bomba na sociedade mudando o rumo do comportamento humano. Uma das medidas de saúde defendidas na obra é a proibição dos smartphones nas escolas que, finalmente, foi instaurada. Conversando com uma mãe de dois adolescentes, de 14 e 12 anos, perguntei como eles se portavam diante da nova situação. Seus filhos comentaram que agora conversam na hora do recreio com os colegas, coisa que pouco acontecia antes. Também perguntei para o filho de uns amigos, de 12 anos, o que ele estava achando da novidade. Meio contrariado, disse: ruim, né? Agora não posso tirar foto da matéria no quadro. E, também, como eu vou saber as horas?
Este é o nível de dependência. Isto me levou a pensar sobre outro tema que surgiu com força no início deste ano: amizades de baixa manutenção. E o que seria isso? Aqueles relacionamentos que não precisam de muito para sobreviver, não precisam de encontros, telefonemas longos, são alimentados apenas com um grupo mequetrefe de whatsapp e algumas reações e comentários curtos nas redes sociais. Uma desculpa para a preguiça emocional, doença também ocasionada pela internet, famosa por aproximar afastando. Dia desses, caminhando com uma amiga, ela reforçou que estava chateada com o tanto de amizade passiva que vinha cultivando. De novo, o que seria isso? Aquelas amizades que só têm esforço de um lado. Só uma das partes se movimenta em relação à outra. Só uma convida. Só uma manda um “alô”. A outra só recebe, aceita e se faz presente como consequência.
Parte do artifício da grande ilusão de que estamos rodeados de amigos quando, na verdade, há seis meses não dividimos um problema profundo e pessoal com ninguém que não seja o psicólogo, psiquiatra ou um familiar direto. Não inventei este dado, captei também no livro de Haidt, que sustentou que cerca de 30% dos meninos atualmente se sentem solitários. Sabe-se que falar cura, o que me leva a pensar que estamos embolados na geração ansiosa porque não conversamos. Nos tornamos uma máquina de “reacts”, emojis que representam nossas emoções. Já parou para analisar o quão bizarro é enviar um “kkkk”, simulando uma gargalhada, para um amigo e se encontrar sério em frente à tela ou só com um sorrisinho de canto de boca? Preguiça emocional. De rir, chorar, gritar, aplaudir e sentir.
Aos meus amigos que fui uma amiga passiva, de baixa manutenção ou preguiçosa nos últimos tempos, peço desculpas. Espero que 2025 seja diferente, seja de encontros. A boa notícia é que a imbecilidade digital tem solução e, para começar, sugiro que todos leiam A Geração Ansiosa. Antes tarde que mais tarde.
Adorei esse conceito de amizade de baixa manutenção !!! É muito triste, mas tenho uma assim. Ela me dá mais do que eu mas uma parte do que ela me dá eu sinto aluguel, meio abuso, meio solidão dela e demandas que me irritam. Mas não tenho coragem de deixá-la sozinha !!! Isso é sadismo da minha parte/abuso da dela ou solidariedade na terceira idade ??? Abraço.
Adorei o texto! Sempre perfeita ❤️
Em travessias, a minha internet custa caro (2$ por GB), e as vezes passo semanas no mar e não posso ficar abrindo o Instagram. No início era muito louco, eu sabia que eu não podia abrir o Instagram, pois consume muitos dados, e eu me pegava toda hora com o Instagram aberto. E tão pouco eu poderia apagá-lo, pois tbm o usava diariamente para uma atualização para o mundo sobre a travessia. O que eu fiz: mudei o aplicativo de lugar! O que aconteceu: vaaaaaaarias vezes eu me peguei tentando abrir o Instagram, chegando lá naquela parte do meu iPhone onde estava o aplicativo antes, e como eu não encontrava ele lá, eu percebia naquele momento que eu, mais uma vez, estava involuntariamente abrindo o aplicativo por causa desse vício ocioso 😅 foi assustador e libertador ter feito isso, pois me dei conta quantas vezes por dia eu procurava o Instagram por motivo nenhum.