Que sorte!
Me envolvi em um conflito de agenda, recentemente, e todos os gatilhos mentais foram acionados descontroladamente.
Passei muito tempo da minha vida atrasada. Já perdi voo, trem, ônibus, consulta médica, horário no salão, na terapia e no restaurante. A fama é merecida. Quando chego pontualmente aos lugares, minhas amigas ainda ironizam chamando por um milagre, provando que não se acostumaram ao novo perfil. Perfil, esse, que surgiu após eu me dar conta dos picos de estresse e ansiedade que eu alcançava querendo correr contra o relógio e quão injusto meus “minutinhos” atrasada eram com quem se organizava para me encontrar no horário previsto, respeitando o meu tempo.
Tenho uma agenda de papel que é adjunta à bolsa, atua como um cronômetro da minha vida. Percebi que, para o esquema funcionar, eu precisava bloquear datas com antecedência, dar espaços de meia hora entre compromissos no mesmo lugar e, de uma hora, para reuniões em endereços diferentes. Encaixar? Nunca mais. E tudo, absolutamente tudo, entra na minha agenda. Este texto, por exemplo, está lá. Fechei a tarde para isto – e não há cliente, ou ligação de 20 minutos, que fure. Decidi que o tique-taque não seria mais um fator de instabilidade emocional para mim.
Mas eis quê... me envolvi em um conflito de agenda, recentemente, e todos os gatilhos mentais foram acionados descontroladamente. Era meio da tarde, eu me preparava para uma live importante à noite, organizando o roteiro final e tomando um chá, quando, através de uma postagem nas redes sociais, percebi que a palestra que eu julgava que ministraria no dia seguinte era, na realidade, em algumas horas, naquela mesma noite. Senti um frio na espinha, que um segundo depois virou um calorão nas bochechas. Não, não pode ser, pensei. Conferi minha agenda e reconheci que, realmente, quando fechei a palestra, há cerca de 45 dias, eu havia confundido a data, que também passou despercebida nas reuniões de alinhamento. Desmarcar? Impossível. O evento era presencial e com organização intensa dos contratantes, coquetel montado, grupo de convidados confirmados e um carinho enorme em me receber. Já a live, tivera ampla divulgação nacional, inscrições prévias e alta expectativa pelo meu profissionalismo.
Primeiro: desespero, gritos, vontade de fingir um desmaio, correr para as montanhas, tudo isso embalado em culpa e vergonha. Depois do surto, veio a aceitação enganchada no “ok, como posso solucionar?”. Daqui, encurto a história para acabar com a aflição e contar que tudo foi resolvido. Ambos eventos entregues e atendidos. Logo após me despedir da transmissão ao vivo, desligar o computador e respirar alguns minutos de cabeça baixa revivendo a maratona, fui para o banho e expirei em voz alta enquanto a água quente tamborilava nas costas: “que sorte!”. Lembrei de uma personagem encantadora de Rosa Montero – minha nova fixação -, a Raluca, do romance A Boa Sorte, que mesmo com todas as ciladas que o destino lhe preparou, continuava com a lente ocular ajustada para captar o lado bom das pessoas e dos fatos.
Que sorte, reiterei. Que os eventos não eram no mesmo horário (um era às 19h e o outro às 20h). Que a social media da loja de móveis em que seria a palestra me marcou naquela postagem mais cedo dando brecha para que eu me organizasse. Que o endereço era a cinco minutos da minha casa. E que existe empatia por aí. Agradeci mentalmente à equipe da marca, que rapidamente se mobilizou para convocar os convidados a serem pontuais e me ajudar com a situação. Fiquei grata aos participantes por atenderem ao pedido e entenderem a confusão. Agradeci à generosidade da proprietária da loja que, ao me ver arrasada, amenizou: “a gente precisa estar preparado para as intercorrências da vida, essas coisas acontecem”. Agradeci ao meu marido, que cancelou a terapia para atuar como meu motorista e cuidar das minhas redes sociais. Ao meu pai, que imprimiu o roteiro da live e deixou na portaria do prédio. “Aumentei para fonte 14 para facilitar a leitura”, dizia o post-it colocado no plástico que envolvia as folhas. Agradeci ao time da live, que compreendeu que eu poderia me atrasar ao horário combinado e não me pressionou em momento algum. E à Camila, meu braço direito, que quando mandei mensagem desmotivada, buscando auxílio com burocracias internas, me mandou uma mensagem que fez a diferença: “mas nunca tinha acontecido algo assim, né? Faz parte. É chato, mas somos humanos”.
No fim, tudo passa pelas pessoas. Aquela noite poderia ter se encerrado com choro e sensação de impotência, mas graças a uma importante rede de apoio munida de compaixão, empatia e vontade de “vai dar certo”, foi uma lição sobre diálogo, transparência e vulnerabilidade. As pessoas que a gente escolhe se envolver – não só pessoalmente, mas profissionalmente – definem as situações que vamos nos meter. Estar entre os bons é importante, mas estar entre os do bem é fundamental para uma mente sã.
Nossa, amei! Perfeita reflexão 👏👏👏
Realmente isso acontece, eu que sou super pontual faço dessas eventualmente. E, rede de apoio e a aceitação de que não somos perfeitos faz toda a diferença!!