Tchau, vida atual. Oi, nova vida.
Com os olhos pesados de lágrima, comentei: percebeu que tudo vai mudar para sempre? Ele concordou sinalizando com a cabeça. E, como reflexos um do outro, começamos a chorar.
Não faz muito tempo, escrevi neste mesmo canal sobre como vivemos muitas vidas dentro de uma mesma vida. Naquela semana do texto, eu havia recém-confirmado a minha tão batalhada gravidez, foram cerca de três anos tentando, e ao ouvir pela primeira vez os batimentos cardíacos do meu filho, confiei que em alguns meses tudo mudaria para sempre. No final de semana após a descoberta, eu e o Felipe, meu marido, como de praxe, maratonamos alguma série por horas a fio, depois, cansados do combo televisão e sofá, partimos para a nossa jogatina de mexe-mexe - somos fãs de um carteado. Lá pelas tantas, bateu a fome. Vamos cozinhar? Pedir um delivery? Sair? Optamos por caminhar pelo bairro e ir até a nossa pizzaria preferida, que fica a três quadras da nossa casa, devorar uma quatro queijos direto do forno para a mesa. Rapidamente, trocamos as calças de moletom por jeans e, em menos de 20 minutos, estávamos sentados em uma mesa cativa esperando o pedido.
Enquanto aguardávamos, o Felipe tomando sua taça de vinho e eu já na água com limão espremido, respiramos fundo descortinando a desordem que já era rotina nos nossos finais de semana e analisando o nosso ponto de partida para a próxima fase. Com os olhos pesados de lágrima, comentei: percebeu que tudo vai mudar para sempre? Ele concordou sinalizando com a cabeça. E, como reflexos um do outro, começamos a chorar. No lugar mais improvável, com chão engraxado, corre-corre de garçons, famílias inteiras disputando o timbre de voz em mesas redondas e cheiro de cebola no ar, compatibilizamos sentimentos e nos enlutamos pelo término do nosso relacionamento a dois. Logo, seríamos três. A verdade é que a dificuldade para engravidar levantou uma nuvem neste lugar, não nos permitiu sentir diferente do que alegria e realização pelo embrião que ganhou força, e assim que a segurança se instalou, conseguimos abrir passagem para o resto das emoções que se mantinham contidas e enfileiradas atrás da porta fechada, só esperando a vez para bagunçar o cenário.
Eu sei, a tendência é você, pai ou mãe, vir aqui para me contar que está tudo bem, que o casal sobrevive, que a vida individual também, que tudo se adapta, que a vida muda para melhor. Ainda nesta semana uma conhecida reforçou: vai ser tão bom, tão intenso, que você mal vai lembrar de como era antes. Bingo! É isto. A tristeza – que considero saudável, uma parte do curso – é, justamente, porque como em um processo de recalque, mal vou lembrar de como era antes. Então, surjo eu, do passado de vocês, para reiterar que também era bom, e que é válido sentir saudades antes mesmo de partir. São raras as vezes em que sabemos exatamente quando a nossa vida antiga está prestes a ser encerrada para mergulharmos na próxima. Considerei estes nove meses uma grande oportunidade para se despedir, listar vontades a serem realizadas, preparar o campo físico e mental e chorar ou me emocionar em cada última vez que antecedeu todas as primeiras vezes que estão por vir.
Hoje é dia 27 de janeiro e a qualquer momento o Frederico pode chegar fechando uma porta e escancarando outra. Já começo a espiar a estrada para trás por cima do ombro, mas nem consigo virar muito por conta do peso da barriga, que me impulsiona para frente. A certeza que permanece é que somos moldados pelo caminho e todas as vidas que foram brincando de abre-fecha na jornada. Olha aí, terminei este texto chorando. Tchau, vida atual, obrigada por ter sido tão boa a ponto de gerar melancolia no final. Seja bem-vinda, nova vida. Pronta não estou, mas preparada, sim. E de peito bem aberto.
Bom dia.
Sou mãe de 3.
Avó de dois meninos e avó de dois anjinhos.
Na espera por outros.
Temos a casa aos finais de semana sempre cheia.
Ter filhos é algo maravilhoso.
Não tem receita.
Sigo ainda aprendendo a ser mãe, avó e tantas outras versões.
O legal é que vamos construindo nossas novas versões juntos, nessa caminhada existencial.
Então desejo um lindo nascer e uma nova fase muito mais completa na versão mãe.
Um grande abraço.
A vida é incrível mesmo, não? Eu mesma já dei tchau para algumas vidas antigas. Também já fomos 2 e nos tornamos 3. Voltamos a ser 2 quando minha filha alçou seus próprios voos. Agora sou avó e deixamos novamente de sermos 2 para sermos 3 cuidando da minha netinha (também vinda de uma FIV). Estive em um puerperio de avó, achando que não sabia mais cuidar de um bebê, precisando me atualizar em vários conceitos e atitudes, precisando aprender a educação respeitosa...dei tchau para a vida que tinha novamente e dei oi a uma vida nova cuidando da netinha.
A maternidade tem suas surpresas, suas maravilhosidades e seus percalços. Mas o saldo positivo é o que nos brinda a cada acontecimento novo. A lembrança do teu eu antigo vai permanecer na memória e novas memórias serão criadas. Pode ter certeza que tudo vai dar certo. E tu tem tua família e a família do Felipe...o apoio é fundamental.
Desejo a ti uma nova vida incrível, com capítulos maravilhosos a serem escritos ainda.
Grande beijo!
Sandra